Maria Homem destacou a importância dos médicos assumirem um “lugar humano” diante dos outros em um...
Unimed-BH-On-line nº650
Como cuidar de quem cuida na sociedade do cansaço?
Em palestra inspiradora, Jairo Bouer provoca reflexões profundas sobre saúde mental, autocuidado e os desafios da medicina moderna.
O auditório lotado do Espaço Corpo às 10h já anunciava a expectativa sobre um tema cada vez mais falado, mas ainda cercado de tabus: a saúde mental dos médicos.

O diretor de Mercado da Unimed-BH, Garibalde Mortoza, recepcionou os cooperados com uma mensagem de abertura. “É uma alegria imensa estar com tantos colegas e convidados celebrando duas décadas de encontros que nos conectam, nos fortalecem e nos inspiram. Estar aqui hoje é, para mim, um privilégio e uma emoção. Estou aqui desde a concepção do Encontro de Cooperados, há duas décadas, quando demos início a essa jornada que valoriza o conhecimento e traz, para nós, importantes reflexões”, afirmou.

Na sequência, subiu ao palco o nosso convidado Jairo Bouer. Médico psiquiatra, biólogo e mestre em evolução humana e comportamento pela University College London (UCL), Jairo tem mais de 30 anos de carreira, construindo uma trajetória marcada pela capacidade de traduzir temas complexos em linguagem acessível, sem perder o rigor científico.

“Está tudo bem?” — foi com essa pergunta simples que Jairo Bouer iniciou sua fala. O médico e comunicador questionou a plateia: “Esta é a pergunta que fazemos aos pacientes em nossas consultas. E nós, como estamos? De 0 a 10, qual a nota de cada um de vocês hoje?”
Em meio à crise global de saúde mental, ele nos convidou a olhar para dentro, a desacelerar e a refletir sobre o impacto da pressão constante por desempenho, produtividade e perfeição.
Segundo dados da OMS, mais de 1 bilhão de pessoas enfrentam questões de saúde mental. No Brasil, somos o país mais ansioso do mundo e o segundo mais deprimido. Entre os médicos, os números são ainda mais alarmantes: 45% apresentam algum transtorno mental e, entre os jovens profissionais, esse índice pode chegar a 50%.

Jairo citou o livro "Sociedade do Cansaço", do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han:“Se cada tempo tem sua doença, no nosso são as patologias neuropsíquicas que se alicerçam sobre uma sociedade do desempenho, da produtividade exagerada, da autocobrança e da autoafirmação por meio do trabalho. Estamos exaustos de tentar ser melhores o tempo todo.”
A tecnologia, embora facilitadora na vida atual, também contribui para a chamada “fadiga de disponibilidade” — estamos sempre conectados, mas cada vez mais exaustos. “Acordamos checando o celular. E vamos para a cama à noite também conectados”, constatou Jairo.
E como nós, médicos, lidamos com essa realidade?
Dados apontam que as mulheres médicas são mais vulneráveis que os homens e as variações hormonais são indicadas como um dos fatores. “Em paralelo, os médicos homens são mais resistentes em buscar ajuda. Os sintomas podem aparecer como nervosismo e mau humor no lugar de desânimo e tristeza, que são mais associados à saúde mental. Será que não estamos sub-diagnosticando? Será que questões do masculino foram normalizadas?”, questionou Jairo. Ele acrescentou que os profissionais mais jovens, com até 35 anos, estão sob maior risco e queixam de falta de preparo para lidar com os desafios da rotina de plantões.
Os dados do Ministério da Saúde confirmam o cenário: 45% dos médicos apresentam algum transtorno de saúde mental. Entre 25 e 35 anos, o índice pode chegar a 50%.

E as possíveis saídas?
Há caminhos. Tudo começa pela observação. “Somos nosso melhor termômetro. Por exemplo: quantas vezes por dia a gente se olha no espelho? Em quantos momentos do dia a gente para e pensa: como estou hoje? Como foi meu dia hoje? De 0 a 10, como estou me sentindo? Como estava ontem, na semana passada? A gente oscila. Se as oscilações começam a ficar constantes e para baixo, é um sinal de alerta”, comentou Jairo.
Dificilmente o transtorno em saúde mental acontece da noite para o dia. Ele é um processo. Jairo apresentou estratégias pessoais e sistêmicas para lidar com o desafio: autocuidado, atenção plena, redes de apoio, ambientes de trabalho mais justos e jornadas menos extenuantes. “Quanto reservo do meu dia para fazer coisas para mim que eu gosto? Não é ir ao supermercado ou comprar o que está faltando em casa. É ler um livro, caminhar ao ar livre. Fazer algo que goste. Falar sobre o que se sente também é necessário e pode mudar tudo”, afirmou, reforçando a importância de quebrar o silêncio e buscar apoio.
E o futuro?
Jairo levou uma provocação para a plateia antes do encerramento. “Muitos de vocês têm 30, 40 anos de estrada. Como vamos viver a próxima fase com mais leveza e sentido? Longevidade com propósito é mais tempo de vida com qualidade. Como vocês estão planejando e programando a transição? Quem é essa pessoa por trás do CRM? Como me ocupo de mim mesmo para além do CRM?”, questionou o médico.
Momento Mude1Hábito

Após a palestra, a professora de yoga Juliana Zandona conduziu uma sessão de alongamento e meditação guiada para a plateia. “A meditação é uma prática para acalmar os pensamentos, que sempre fazem parte de nós, e nos ajuda a ganhar consciência sobre o que queremos ou não dar atenção na mente”, comentou Juliana antes da prática.

A cooperada da Ginecologia e Obstetrícia, Maria Rita de Castro Gomes, participou de toda a programação do Espaço Corpo e reconheceu a importância do autocuidado em sua vida. “Eu tive uma virada na minha vida em 2008, quando comecei a me cuidar depois de um AVC aos 46 anos. Depois mudei minha rotina. Comecei a praticar yoga em 2009. E sempre recomendo essa busca pelo autocuidado para minhas pacientes”, afirmou Maria Rita.