"O médico luta pela vida do outro. Mas antes disso precisa se salvar"
Dra. Filó e a espiritualidade como caminho para o autocuidado médico
Pediatra há mais de 30 anos, Filomena Camilo do Valle — carinhosamente chamada de Dra. Filó — acredita que cuidar do outro começa por cuidar de si. Para ela, a espiritualidade é parte essencial da prática médica e do autocuidado.
“Se você não cuida de você, você não é capaz de cuidar do outro. Sou uma pessoa com as mesmas necessidades de qualquer pessoa. Existe um outro mundo além do hospital, do consultório."
Foi nesse momento que a música, presente desde a infância, voltou com força total.
Busquei essa força na arte. Sempre gostei de música, de teatro. Decidi que não queria morrer. Fui fazer aula de bateria, que sempre amei. A música penetra no cérebro, te deixa leve. Às vezes, você fecha os olhos e entra no sentido da música, na letra, no que o compositor quis dizer. Isso me tornou uma pessoa mais leve. E com isso, consigo resolver problemas — meus e dos outros — de forma mais tranquila."
A experiência com as doenças fez com que o médico repensasse sua forma de viver e de cuidar.
“A gente não é super-herói. Somos parte de um universo imenso, mas temos uma força interior que nos permite superar.” Hoje, ele compartilha sua história com os pacientes, especialmente os que enfrentam doenças graves. “Eu conto minha experiência. Digo que também tive leucemia. Isso muda a forma como eles encaram a própria dor.”

A médica defende que o profissional da saúde precisa estar inteiro para exercer sua missão com presença e propósito.
"A medicina não pode ser exercida como se eu ligasse o piloto automático e fosse no embalo. A vida não é assim. A gente vive um perigo muito grande quando trabalha no automático. Levanta, trabalha, corre, volta, dorme, levanta, corre... e perde o sentido. Entramos em frustrações, decepções, metas inalcançáveis. E vamos vivendo uma morte lenta — o vazio interior. Isso é uma morte silenciosa e grave. Quando não temos propósito, quando não temos alegria, fazemos as coisas por fazer. E isso nos mata."
"A vida do outro é muito preciosa. E, às vezes, nós somos a única possibilidade de alguém. Então, o nosso atendimento fará a diferença na vida de uma pessoa. Mas eu tenho que estar inteiro para dar conta de ver o outro. Tenho que ter olhado as minhas necessidades, resolvido, para poder dar conta do outro."
A espiritualidade, segundo Dra. Filó, é o que sustenta o médico diante da dor, da finitude e da rotina exaustiva.
“A consciência da finitude foi uma das coisas que mais me transformou. Entender que eu acabo, que o fim ilumina o caminho. Se tenho consciência de que sou peregrina, alguém que sabe de onde veio e para onde vai, eu aprendo que tudo o que faço deve ser bem feito. Às vezes, é a última e única oportunidade de fazer o bem. Reconhecer que somos frágeis, vulneráveis, dependentes e finitos. O médico precisa entender que também adoece. E, muitas vezes, é o pior paciente porque burla a si mesmo, mente para si.”
Em sua trajetória, a médica viu de perto o impacto do cuidado integral. Para ela, o autocuidado não é luxo, é necessidade.
“Quando você cuida de si, não está sendo omisso, preguiçoso ou negligente. Está cuidando do que há de mais precioso: você mesmo. A vida precisa ter propósito. Sem isso, não caminhamos. Vivemos o vazio, o burnout, a tristeza, a sensação de fracasso, o tédio. E até o suicídio naquilo que fazemos. Perdemos o prazer, a alegria de ver o paciente melhorar, de ser querido, de receber o abraço espontâneo de uma criança. Temos consciência da saúde emocional, psíquica, física. Sabemos tudo isso. Mas não sabemos quando temos saúde espiritual.”
A espiritualidade, vivida como conexão com o sentido da vida, é o que dá sustentação ao ato de cuidar.
“O médico precisa caminhar com alegria. A espiritualidade é a consciência de que o ser humano não se fez sozinho. Há um espírito que nos anima, uma alma que carrega o corpo. E quando negamos essa parte, adoecemos. Vivemos angustiados, sem saber por quê. É o vazio interior — um mal-estar contínuo.”
Com sua fala acolhedora e cheia de propósito, Dra. Filó deixa um recado para seus colegas de profissão:
“Você não precisa estar à beira da morte para refletir. Basta prestar atenção em si mesmo e responder: Qual é o seu desejo mais profundo? O que pode, de verdade, transformar sua vida? Essa resposta é pessoal. Mas é preciso perder tempo com você. O médico luta pela vida do outro. Mas, antes disso, precisa se salvar. Precisa ter prazer em exercer sua profissão. Alegria em saber que foi escolhido para levar vida a tantos. Cuide de você, para que possa cuidar de tantos que esperam o seu olhar, o seu carinho, o seu diagnóstico, o seu empenho.”

"Somos todos absolutamente iguais. O que nos difere são as oportunidades da vida e os valores que cada um recebe. A sociedade mudou, as pessoas mudaram. O que não fere a integridade do outro, diz respeito somente a nós mesmos".

Infelizmente, para Érika, o preconceito vivido no início da faculdade de Medicina na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ainda pode ser observado atualmente.
“Não foi fácil entrar numa universidade pública e fazer um curso tão elitizado. O ciclo básico da medicina foi um grande desafio. Mas, enquanto profissional, nunca senti preconceito em relação a minha parte técnica. O que vejo, e não é pouco na área médica, são piadinhas machistas, desrespeitosas. Ou manifestações racistas, homofóbicas, capacitistas, muitas vezes, veladas”.
Ela reforça, o papel do médico como formador de opinião.
“O respeito à pessoa humana deve ser um só. Respeito é respeito. E somente com informação, com a comunicação para o colega médico, para o paciente, é que podemos mudar essa realidade”.
"Somos todos absolutamente iguais. O que nos difere são as oportunidades da vida e os valores que cada um recebe. O que não fere a integralidade do outro, diz respeito somente a nós mesmos".
Saiba mais
ORIENTAÇÃO SEXUAL
É a atração emocional, afetiva e/ou sexual que uma pessoa sente em relação à outra. Existem três tipos majoritários de orientação sexual:
- Heterossexual- Pessoa que se sente atraída afetiva e/ou sexualmente por pessoas do sexo/gênero oposto.
- Homossexual- Pessoa que se sente atraída afetiva e/ou sexualmente por pessoas do mesmo sexo/gênero.
- Bissexual - Pessoa que se sente atraída afetiva e/ou sexualmente por pessoas de ambos os sexos/gêneros.
ATENÇÃO
Não se utiliza a expressão "opção sexual" por não se tratar de uma escolha. Por isso, o correto é dizer "orientação sexual".
Também não se utiliza a expressão "homossexualismo", pois, neste caso, o sufixo "ismo' denota doença.
A homossexualidade não é considerada como patologia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), desde 1990, quando modificou a Classificação Internacional de Doenças - CID, declarando que a "homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão".


Você sabe o que significa a sigla LGBTQIA+?


Canais de acolhimento
Qualquer tipo de preconceito é uma infração ética grave.
Dessa forma, existem canais de acolhimento e denúncia para as diversas situações.
Quando o médico for vítima de preconceito e discriminação procure acolhimento no departamento jurídico do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais pelo telefone 99302-0106.
Quando o médico for o agente da situação de preconceito ou discriminação, o acolhimento deve ser realizado no Conselho Regional de Medicina. (www.crmmg.org.br)
Se você for médico cooperado da Unimed-BH, acione também o Canal Confidencial. (canalconfidencial.com.br/unimedbh)


